“Tanto delírio ao lombo”

Agradeço a Vivir na Coruña que tenham lembrado nestes dias um dos poemas que escrevi quando retornei à cidade em que nasci, e que tão bons momentos me permitiu viver sob os mantos da sua penetrante luz e da sua latejante névoa. Nunca esquecerei as muitas noites de poesia, cerveja irlandesa, vinho do Porto, música folque e brasileira num quase ininterrompido fascínio de candorosa amizade e fervente inspiração juvenil. Agora vêm estes amigos e me lembram tão gratos momentos… assim que muito muito obrigado.
Deixo nesta ocasião a versão gráfica original do poema, aquela que não vê a luz desde 1995:
Tanto delírio ao lombo
tem esta cidade:
caẽs que corren entre crianças,
velhos que acenam alegres
para facerem parte
de enrugadas fotografias.
Dá a cidade toda para uma praça
em que as crianças se concentram.
Caẽs vêm a correr pola avenida
que as crianças assustam
e secam as fontes de ruas noturnas.
Sob os farois de ruas e estradas
corpos perdidos passeiam
entre prédios distantes
com uma mão na cabeça
e a outra erguida na névoa portuária.
São velhos a tombarem mortos
ao meio de jardins românticos,
as cabeças a abalarem
como pedras caídas de carreta.
Chega a primavera
com um fato de grinaldas secas.
*De A cidade engrinaldada (Amigos de Azertyuiop, 1995), in A Coruña á luz das letras (Trifolium, 2008) e Versos fatídicos 1994-2010 (Edicións Positivas, 2011).