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Maria Dovigo: “Só quem cria é que vê longe”

«[…] Toda essa comunidade cultural que vai da Galiza à Irlanda e mais além, que não passa pelo centro de um império, é invisível e impossível para muitos. Ao fazer a interpretação histórica de Espanha, é lugar comum nunca completamente contestado que a Espanha seria impensável sem o culto jacobeu. Américo Castro até dizia a meados do século XX que sem a referência de Santiago, a Espanha seria uma continuação do norte de África. Mas quer ele quer Claudio Sánchez-Albornoz, os que mais refletiram sobre o fenómeno jacobeu no século XX como estruturante da Espanha cristã, mostram a sua perplexidade porque um fenómeno cultural e político de tal dimensão tivesse assento na Galiza, que “no tuvo significación perceptible bajo los romanos ni en época visigoda”, como diz Américo Castro. Para alguns, e vem sendo a narrativa dominante, não há outra possibilidade cultural se não a que se transmite de império para império, literária e institucionalizada, como se os humanos não fossem sempre mais criativos e inovadores lá onde os centros imperiais não têm domínio, como nas ilhas gregas onde nasceu o pensamento científico e a especulação filosófica. Ou como se não fosse cultura aquela que vai na palavra viva e não escrita que recebemos como o pão na casa familiar. Nunca compreenderão porquê são uns imperialistas fracassados, porque deles só é o braço que executa e a espada que corta e nossa é a cultura que se vai filtrando sem que eles consigam fugir a ela, a cultura da que precisam viver como homens simples entre o mar e o céu. Porque matar é o contrário de dar vida e só quem cria é que vê longe […]».

Gostei imenso deste artigo de Maria Dovigo publicado no Portal Galego da Língua. Porém, a proeminência medieval galega no religioso e no cultural sim deveu ter correspondência no terreno político e no económico, mas a historiografia espanhola oculta ou não quer ver esta realidade. O fato de os visigodos do noroeste não serem conquistados pelos norteafricanos e de os romanos terem mantido o nome do país (Kallaikia grega>Gallaecia romana) semelha falar de uma identidade cultural e socioeconómica bem definida desde tempos remotos. Por outro lado, a causa de não conservarmos grandes construções arquitetónicas e documentos anteriores ao latim não temos ainda status histórico de civilização; mas se usarmos outros parâmetros, como a existência do Caminho de Santiago (simbólico “retorno” à cultura matricial celta?) e a complexa e antiquíssima organização social (castros, paróquias…) abrem-se outras hipóteses à hora de encontrar o tesouro guardado dos nossos ancestrais até hoje: o património imaterial. Às vezes, o melhor modo de ocultar algo valioso é pô-lo à vista de todos.

[Ler o artigo de Maria do Vigo: Santiago é grande]

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