I
Abraçar o desenho
orgânico do universo
em coito demorado
até esvaecer entre
fendas impensáveis:
o trabalho do poema é
obscurecer as mãos
da realidade até achar
o fulgor emergido do
invisível entre a luz
convulsa dos amantes.
II
Inauguram-se cosmogonias
nesta lâmina iridescente
aventurada na noite:
preparamos incêndios
entre os nossos olhos
e o existente, confiamos
no sonho que nos devora
e dançamos sob a terra
transparente que agacha
pupilas desnudas, como
ruas de um universo em
feroz expansão sobre nós.
III
Somos terra hipnótica,
arcano nascendo como
desenho aberto no meio
do poema em ignição:
trabalhamos no íris do
coração como videntes
à procura do sol líquido,
onde o vulcão vibra no
ser como vertigem a
fremir corpos adentro.
Porque a vida consiste em sucessivas mutações do amor, a Maria Díaz Vidal, in memoriam
Ó Maria, acho menos as tuas coxas
carregadas de poesia,
teus lábios de vénus aloirada
e teus quadris para sempre rimados
no meu coração.
Teus andares sinestésicos
forneciam a métrica semanal
do tambor literário que ardia
no meu peito, adolescente encavalgado
na metáfora encarnada
que às vezes imaginava
sob as meias florais de um sonho.
Porque é assim o amor e assim
se reveste de sexo para apontar mais alto
e fazer-nos vibrar
sobre os estúpidos cumes do convencional.
Porque o erótico é o grande catalisador
de tudo aquilo que cresce,
mesmo se não se tratar
das calças de um adolescente.
Agora sei que morreste, Maria,
e fico triste por não ter chegado a tempo
de te dizer o muito que gostava
das tuas pernas e das aulas de literatura,
e de como umas e outras
são só uma e a mesma cousa:
o desejo que provém da carne
e o prazer de escrever um verso que arde.
Para Miguel, Xavier, Moncho e Xulio, em nova fraternidade
Resides no obscuro que ilumina o saber-te aqui, música gravitante sobre os olhos desarmados no absoluto a fluir como rio dentro de nós, neste lado do existente submersos na serena transmutação do tempo em oceano, suspendendo-te no abraço primeiro da memória e o desenho zenital do saber.
Nesta fermosa terra finxían os campos verdes
A noite estrelada plantaba allos e fabas cos cabelos ao vento
Cabalos estrambóticos faciamos que non viamos como lume violeta
En la fiesta de cumpleaños trabajaban y reían sangrientas guerras
Vivemos tempos de incerteza devido ao rijo desamparo a que nos sometem os poderes fáticos, mais comprometidos com a gestão privada dos bens públicos do que com uma democracia digna de tal nome. As gentes sofrem e calam, choram e calam, trabalham por menos e vem minguar o pão na mesa, e por enquanto ainda comem e calam. Permanecemos aturdidos por uma triste realidade imposta desde a cima, como se de uma aterragem extraterrestre se tratasse, enquanto persistem inércias de cómodas épocas que logo haverão de virar tópico de papel couché, inércias que nos imobilizam enquanto a nossa sociedade, aquela que nos deu as merendas e nos mandou à escola, é arrastada pela corrente.
Mas à par disto outras vontades põem-se em marcha e uma nova esperança floresce no campo que pisamos desde há milhares de anos. É o caso da revista literária galego-portuguesa Elipse, a que damos a benvinda e que já vimos de assinar por três números:
«O primeiro projeto de Círculo Edições é lançar uma revista literária que sirva de ponto de encontro para aquelas pessoas que desfrutamos com as diferentes formas em que se manifesta a arte de manejar a língua. Publicaremos três números por ano (em fevereiro, junho e outubro), em formato digital (epub e PDF) e em papel.
Os conteúdos serão variados: incluem a poesia, o relato curto, o ensaio e traduções. As secções corresponderão com estes conteúdos.
Ademais de estas secções variáveis programamos duas secções fixas. Uma dedicada a um autor ou a uma autora, que será proposto pelo Conselho Editorial e uma outra dedicada a um clássico da literatura galego-portuguesa como homenagem e em memória do nosso passado comum».
O poeta acorda nas palavras estalantes, caminha por jardins pulsando corpo adentro como galáxias iniciais: esquecido o seu nome, lança-se a um oceano inextinto até saciar a sede de céu irradiante que sonha sob os olhos de espuma imemorial. Sabe arder à noite, atravessando a janela impossível sobre a dança do universo, entusiasmado pelos corpos que se decifram e descobrem como luminosidade entrante no magma do vazio inebriado.
Ramiro Torres. Julho de 2013
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